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Como dialogar com um movimento sem face?

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Quem achava que a revogação do aumento das tarifas de ônibus esvaziaria os protestos se enganou.

Quinta-feira, houve manifestações em cerca de cem cidades brasileiras. Em São Paulo foram mais de 100 mil pessoas, o dobro do maior protesto até então. Em Manaus, 70 mil; em Vitória, 100 mil. No Rio, impressionantes 300 mil pessoas.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O dia registrou a primeira morte desde que começaram os protestos – um rapaz de 18 anos foi atropelado em Ribeirão Preto, supostamente por um carro que tentava furar o bloqueio dos manifestantes.

A julgar pelas cenas de violência no Rio de Janeiro e Brasília, é um milagre que não tenha morrido mais gente.

Em Brasília, manifestantes apedrejaram e tentaram invadir o Itamaraty. Foi a cena mais tensa da semana. Em determinado momento, tentaram até incendiar a entrada do prédio.

No Rio, houve confrontos com a polícia. Algumas pessoas atacaram o Terreirão do Samba, um espaço cultural conhecido da cidade. O que o coitado do samba fez para ser atacado dessa maneira, ninguém sabe.

Tudo que sabemos é que ninguém sabe de nada.

Nas ruas, os protestos abrangem todos os temas. Um amigo disse ter visto, no Rio, alguém – certamente torcedor do meu time, o Fluminense – carregando uma faixa: “Volta, Conca!”

Não é fácil viver no Brasil: corrupção, mau uso de dinheiro público, gastos exorbitantes com Copa do Mundo, educação e saúde deficientes. A lista de queixas é imensa.

Mas, se for algum consolo para os manifestantes, duvido que hoje algum deles queria estar na pele dos governantes.

Se você é prefeito ou governador e quer tentar estabelecer um diálogo, com quem fala? Como dialogar com um movimento sem face?

As manifestações que se espalharam como fogo pelo Brasil são inéditas porque não têm uma cara. Não há um líder, uma figura que sirva de referência, um “cabeça”.

Há vários movimentos independentes, mas, com a enorme variedade de temas dos protestos, ninguém “representa” – só para usar um termo muito em voga – sua totalidade.

O que vai acontecer nos próximos dias, ninguém sabe. Prognósticos são impossíveis, porque as manifestações não parecem seguir uma lógica. Tomei um susto quando soube que, no dia depois que o prefeito e governador do Rio atenderam às exigências e diminuíram as tarifas, 300 mil pessoas saíram às ruas. Juro que não esperava tanta gente.

Dilma convocou uma reunião de emergência para sexta de manhã.  Estou curiosíssimo para ver o que vai sair.

 

Pelé, Ronaldo e Bebeto: que desagradável…

Dentro de campo, Pelé, Ronaldo e Bebeto foram craques extraordinários. Fora dele, são uns pernas de pau irrecuperáveis, verdadeiros Manguitos, Mericas e Carlinhos Itaberás.

Não sei se os três combinaram, mas o fato é que, nos últimos dias, em meio a protestos históricos que pararam o país, o trio calafrio deu declarações constrangedoras sobre nosso futebol.

Para começar, Bebeto: membro do Comitê Organizador Local da Copa do Mundo, o ex-jogador disse à revista “Playboy” que João Havelange, que renunciou ao cargo de presidente de honra da FIFA poucos dias antes da divulgação de um relatório que comprovava que ele e Ricardo Teixeira haviam recebido propinas da empresa de marketing ISL (leia aqui), merecia “uma estátua”.

Ontem, Ronaldo Fenômeno, em seu Twitter, comentou o vídeo que circula na Internet em que ele diz: “Está se gastando dinheiro com segurança, saúde, mas sem estádio não se faz Copa. Não se faz Copa com hospital. Tenho certeza que o governo está dividindo investimentos”.

 

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“Um pessoal postou um vídeo editado com declarações minhas sobre a Copa de dois anos atrás. Posso de fato não ter me expressado tão bem e a edição que eu vi na internet é bastante tendenciosa. Era outro contexto. Não é justo usar como se fosse dito essa semana”, escreveu Ronaldo.

Em primeiro lugar, o vídeo não foi editado, muito menos de forma “tendenciosa”. É um trecho de uma declaração de Ronaldo, mostrado sem cortes.

Claro que ninguém está insinuando que Ronaldo não acha importante a construção de hospitais, isso seria injusto. Mas que a declaração dele foi de uma falta de sensibilidade chocante, é fato.

Em vez de ficar reclamando, Ronaldo – que não vê conflito ético entre comentar jogos da seleção na TV Globo enquanto é membro do COL e ser dono de uma agência de marketing esportivo que gerencia a carreira de Neymar – poderia vir a público e pedir desculpas pela gafe. Vestir as sandálias da humildade seria um começo.

E Pelé? O Rei do Futebol, um “poeta, quando calado”, segundo Romário, fez das suas, ao divulgar um vídeo em que pede ao povo para “esquecer” as manifestações – que Pelé chama de “confusão” – e apóie a seleção brasileira: “Vamos esquecer toda essa confusão que está acontecendo no Brasil e vamos pensar que a seleção brasileira é o nosso país, é o nosso sangue.”

 

[There is a video that cannot be displayed in this feed. Visit the blog entry to see the video.]

 

Não sei o que irrita mais na declaração, se o tom professoral e condescendente, ou a absoluta falta de perspectiva histórica de Pelé. De qualquer forma, é uma daquelas gafes que vai ficar para a história. Quem sabe, daqui a 30 ou 40 anos, quando os resultados dessas manifestações já tiverem mudado o país para sempre, alguém assista ao vídeo e lembre: “Nossa, como falava besteira o Pelé”.


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