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Era uma casa muito engraçada, não tinha teto, não tinha nada…

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Três anos atrás, fiz aqui no blog um manual para o construtor de primeira viagem (leia aqui). Havíamos acabado de construir nossa casa e achei que seria uma boa dividir a experiência com outros infelizes que estivessem passando pelo mesmo martírio.

Depois de um ano aturando operários que sumiam, fornecedores que só entregavam material errado e um mestre de obras que nos sugeriu uma banheira de “vidromassagem”, jurei nunca mais fazer uma obra na vida.

Mas promessa existe para ser quebrada, certo?

Hoje, por um misto de loucura e masoquismo, começamos mais uma obra. E essa será bem mais difícil: se na primeira vez botamos a casa em pé do zero, agora decidimos reformar uma casa velha.

Não é uma casa qualquer: ela foi projetada e construída por um gênio da arquitetura, um revolucionário da prancheta, infelizmente ainda desconhecido do público e pouco estudado na FAU. Vou chamá-lo de Senhor Esquadro. Se Gaudí se inspirou na natureza para criar sua arquitetura orgânica, seu equivalente brasileiro, Senhor Esquadro, se inspirou no caos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A casa não tem um ângulo reto. Também não tem duas paredes paralelas. O teto varia de altura de acordo com o cômodo, assim como o chão varia de profundidade. Há um quarto cujo piso lembra um half pipe de skate. A sala de estar parece o gabinete do Doutor Caligari.

Senhor Esquadro desenhou uma suíte com banheiro inovador: quem deseja sair dele precisa entrar no chuveiro para abrir a porta. E se a esposa estiver escovando os dentes no momento em que o marido entrar no WC, a coitada será esmagada na pia.

A casa tem vários segredos divertidos: há a janela do banheiro de hóspedes que dá no escritório da septuagenária esposa de Senhor Esquadro, a Senhora Compasso; há a janela da lavanderia que, aberta, atinge a cabeça de quem estiver usando o fogão a lenha.

Senhor Esquadro é autodidata. Diz que contratar arquiteto é “coisa de fresco”. Orgulhoso, mostrou algumas fotos da cozinha em “L” que projetou para a Senhora Compasso na casa de campo da família. Quem pilota o fogão não consegue ver a geladeira. A cozinha é do tamanho da sala de comando da Enterprise e tem não uma, mas duas televisões, permanentemente ligadas no mesmo programa.

Outro projeto surpreendente de Senhor Esquadro é a fossa séptica, que em 30 anos de uso nunca precisou ser limpa. O arquiteto credita o sumiço dos dejetos ao miraculoso “poder de absorção” do solo e não admite a hipótese de vazamento, mesmo que as árvores próximas à fossa tenham crescido a tamanhos improváveis (há uma goiabeira que parece um jequitibá).

Mas as surpresas não terminam por aí. Senhor Esquadro projetou a saída de automóveis em uma ladeira, a um ângulo que faz com os que os carros não saiam da propriedade, mas sejam catapultados. Há também uma inesquecível escada com degraus que variam de 10 a 45 centímetros de altura.

Devido à ausência de qualquer paralelismo em vigas e paredes, os operários que trabalham na obra acham que estão sempre bêbados. E isso é bom, porque assim eles não pensam em beber e o trabalho rende muito mais.

Para encerrar, deixo vocês com uma frase clássica de Senhor Esquadro, que norteia toda sua arquitetura: “Pau que nasce torto, eu pego e uso na obra”.


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