Este livro deveria ser obrigatório em qualquer escola de cinema: “The Friedkin Connection”, autobiografia do cineasta William Friedkin, diretor de “Operação França”, “O Exorcista” e “Viver e Morrer em Los Angeles”, entre outros filmaços.
Na verdade, chamar o livro de “autobiografia” é errado. Ele é muito mais sobre cinema do que sobre o próprio Friedkin.
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O autor quase não toca em assuntos pessoais, passa voando por sua infância e adolescência, e leva 400 páginas para fazer a primeira menção à esposa e aos filhos. E olha que ele foi casado com atrizes conhecidas, como Jeanne Moreau e Lesley Anne-Down, e é casado com Sherry Lansing, ex-chefona da Paramount e da Fox.
Mas para quem quiser conhecer os bastidores de Hollywood e ler histórias reveladoras sobre a produção dos filmes de Friedkin, o livro é imperdível. Há muito tempo não me divertia tanto lendo as memórias de um cineasta.
Friedkin nunca foi de medir palavras. É considerado um sujeito de temperamento explosivo e imprevisível.
Ele confessa que usava essa fama para evitar problemas com produtores e estúdios. Não foram poucas as vezes em que fingiu ser maluco e violento só para assustar executivos.
No set de filmagem, uma de suas técnicas para extrair uma interpretação mais convincente de atores era surpreendê-los com tabefes no rosto (Friedkin diz que só usou essa técnica pitoresca três vezes na carreira).
Suas brigas com atores e fotógrafos são lendárias: ele despediu o compositor Lalo Schifrin de “O Exorcista” no meio da gravação da trilha sonora, diante da orquestra, e brigou com Max Von Sydow, o mitológico ator dos filmes de Bergman. Quando Von Sydow não conseguiu atuar convincentemente numa cena de “O Exorcista”, Friedkin simplesmente o mandou para casa e reescreveu a cena para que outro ator fosse o protagonista.
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No set de “Operação França”, o diretor entrou em choque com Gene Hackman, então um ator desconhecido. Para provocar explosões de fúria em Hackman, que interpretava o intempestivo detetive “Popeye” Doyle, Friedkin o xingava por trás da câmera e fazia comentários grosseiros que tiravam o ator do sério. “Quando você vê Gene espancando alguém no filme, ele estava reagindo a mim, pode acreditar!”
O processo de pesquisa para seus filmes era intenso. Quando fez “Parceiros da Noite”, em que Al Pacino interpretava um policial infiltrado no submundo gay de Nova York, Friedkin passou meses freqüentando clubes de sadomasoquismo, inclusive usando, segundo ele próprio conta, sungas de couro e outros apetrechos. Brigou tanto com Pacino que o ator, até hoje, se recusa a falar do filme.
Estudantes de cinema vão se fartar com as descrições minuciosas das filmagens de algumas de suas sequências mais conhecidas.
A famosa perseguição de um carro ao metrô em “Operação França” só ficou do jeito que Friedkin queria depois que ele, em meio a um porre com o dublê, disse que ele era covarde e desafiou o sujeito a mostrar que podia fazer melhor. “Ah é? Você quer ver o que é dirigir?”, retrucou o dublê, torto de bebida. “Eu faço, mas você vai sentado no banco da frente.” Friedkin aceitou o desafio: na manhã seguinte, o dublê dirigiu um carro a 150 km por hora por 30 quarteirões no Brooklyn, passando por cima de calçadas e apavorando pedestres. Com Friedkin no banco da frente, segurando a câmera.
Algumas passagens são engraçadíssimas. Friedkin conta que pediu para o produtor contratar, para o papel do vilão em “Operação França”, Paco Rabal, que havia trabalhado com Luis Buñuel em “A Bela da Tarde”. mas o produtor contratou, por engano, Fernando Rey, que também havia trabalhado com Buñuel, mas em “Tristana”. O engano só foi descoberto na véspera da filmagem, quando Friedkin encontrou Rey: “Não lembrava que você usava cavanhaque!”
P.S.: Aqui vai uma pequena homenagem ao grande Jorge Dória, figura inesquecível de nosso cinema, teatro e TV:
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